Livro do dia: Um barril de risadas, um vale de lágrimas

Livro do dia: Um barril de risadas, um vale de lágrimas

Posted by Kátia

Admito que tenho uma relação muito delicada com o humor. Não assisto comédias, não gosto de piadas, enfim sou mais do tipo que “ri por dentro” – como o muso Buster Keaton. Por outro lado, sou apaixonada pelos quadrinhos de humor (especialmente os nacionais). O que seria dos meus dias sem as tirinhas matinais de Adão, Galhardo, Allan Sieber e André Dahmer? Sim, sou a contradição em pessoa. Dito tudo isso, vamos ao livro do dia. Jules Feiffer é uma das poucas pessoas do planeta que me faz rir copiosamente. O cartunista, escritor, roteirista e dramaturgo de oitenta e cinco anos (viva!) coleciona prêmios – como o Pulitzer - e histórias cativantes. 

Há uns bons dez anos, “namoro” esse barril de risadas. A hora certa parecia nunca chegar. Apesar de conhecer e respeitar muito o trabalho de Feiffer, o título parecia demais para a minha quase aversão ao humor. Mas depois de uma leitura particularmente densa e dolorosa, decidi entregar-me aos braços de Feiffer. A recepção foi afetuosa e toda a minha melancolia foi para o espaço. A identificação foi imediata: ao abrir a primeira página e me deparar com o personagem mais mal-humorado do mundo (e que ainda por cima tem o poder de entrar e sair do livro quando bem entender) sabia que estava conquistada. 

Bom, mas o personagem principal não é esse Tom-mal-humorado-caçador-frustrado e sim o príncipe Roger, que tem o poder de arrancar risadas de qualquer um que se aproximar dele. Não se engane: as risadas não são passageiras, e sim daquelas de matar de dor de barriga. Por isso ele vive isolado e comunica-se com o pai através do “cumequechama”, que na realidade é um telefone de barbante que se estende pelo reino todo. O rei, para mim, é o melhor personagem do livro: incapaz de pronunciar duas sílabas sem embaralhá-las, ele é conhecido entre seus súditos como Dedilzifidicer (ou difícil de dizer). Misto esmo! Quer dizer, isto mesmo. Outro personagem vital para a saga de Roger é o mago J. Imago. Inventor e poderoso faz-tudo, ele lança o jovem numa busca que lhe oferecerá muito mais do que diversão. Trata-se de uma busca por experiência. 

Antes de abandonar Roger à própria sorte, J. Imago o presenteia com o Pó Mágico, que poderia transformar o príncipe em qualquer criatura ou objeto (um peixe ou uma cadeira, por exemplo, dependendo da boa vontade do Pó). Desta forma, ele poderia conversar com outras pessoas sem lhes causar nenhum dano. J. Imago também o previne quanto a lugares sinistros como A Floresta Para Sempre, o Vale da Vingança, a Divisa Perversa, o Mar de Gritos e a Montanha das Más Intenções. Mas não fique imaginando que a jornada de Roger é feita de dramas, muito pelo contrário. A cada novo encontro, Roger descobre sentimentos preciosos como o amor, a amizade, o altruísmo e a lealdade. É um mar de aventuras que lnverte tudo o que conhecemos sobre contos de fadas: o mago que esquece a fórmula mágica, a dama de companhia cheia de personalidade e coragem, a princesa que se apaixona pelo gigante, um mar que pragueja contra seus navegantes, uma floresta que promove “pegadinhas” entre seus visitantes e por aí vai. Não importa se você é fã de humor ou não. É certo que se tornará um fã de carteirinha de Jules Feiffer. 

Um barril de risadas, um vale de lágrimas
Autor/ilustrador: Jules Feiffer
Editora: Companhia das Letras
Temas: Humor; Aventura; Fantasia
Faixa etária: 07-11 
 
Leia também: Um dos maiores clássicos da literatura infantil (e, infelizmente, inédito no Brasil), The Phantom Tollbooth (Bullseye Books) – algo como “a cabine de pedágio fantasma” - foi escrito por Norton Juster em 1961 e ilustrado por Jules Feiffer. A história (que virou um belo filme em 1970 e mescla sequências em live action e animação) narra as aventuras do entediado menino Milo, que num belo dia recebe de presente a tal cabine de pedágio fantasma, através da qual viaja para o fantástico Reino da Sabedoria. Perigos e amigos o encontrarão pelo caminho, em especial o invocado e maravilhoso cachorro Tock. Esta edição conta ainda com uma pequena introdução de ninguém menos que Maurice Sendak. Uma obra de arte para a sua biblioteca.

Jules Feiffer rodopia com uma das personagens de sua série sobre dança ♥
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