Livro do dia: Os filhos do sangue do céu

Livro do dia: Os filhos do sangue do céu

Posted by Kátia

No final de semana comemoramos duas datas importantes: no sábado, dia 18 foi o Dia Nacional do Livro Infantil (leia mais aqui) e no dia 19, o Dia do Índio (na realidade o termo mais apropriado é indígena, “natural da terra”). Então hoje é dia de celebrarmos duplamente com um livro de temática indígena, escrito por um autor que dispensa apresentações: Daniel Munduruku. Numa belíssima introdução, Daniel fala sobre o poder da ancestralidade e o valor da tradição através das histórias contadas em noites escuras, de pais para filhos, geração após geração. Essas histórias não são consideradas lendas ou mitos, e sim o retrato social, político, religioso, ético e poético dos povos as quais pertencem. Conhecer o universo dos povos indígenas é conhecer a riqueza do Brasil. 

O livro é composto por quatro histórias e começamos com aquela que dá título ao livro, Os filhos do sangue do céu. Contado pelo povo tariano – que vive no Amazonas, no Alto Rio Negro – esse mito de origem fala de um trovão tão violento que feriu o céu. O sangue virou carne, que ao cair na terra espatifou-se e deu origem ao povo tariano. Eles tiveram que aprender tudo sozinhos, pois não possuíam ancestrais dos quais herdarem seus costumes. E foi assim que aprenderam a não temer a noite, mas aproveitar o dia para buscar alimentos e observar a fauna e a flora ao seu redor. Com o tempo eles aprenderam muitas coisas, como plantar e pescar, mas ainda não sabiam “andar sobre as águas”, como os patos. Num belo dia, o filho do tuxaua (cacique) encontra um pedaço de pau boiando e resolve se apoiar sobre ele. Ao demonstrar essa nova habilidade ao povo eles acabam construindo uma jangada com a união de vários pedaços de pau. A partir daí, os Tárias rumam em direção ao mar e conquistam novas terras. E olha que esse é apenas o início da saga deste povo valente. 

Em Como surgiu o milho conhecemos um lindo mito do povo Apinajé (do Tocantins) que traz a história de um jovem e triste viúvo que passava suas noites a olhar o céu. Numa noite, ao encantar-se com uma estrelinha, fica imaginando como seria bom se ela viesse lá das alturas a fim de confortá-lo em sua dor. Pois é exatamente o que acontece, e a estrela ganha as formas de uma bela moça chamada Candiê-Cuéi (Candiê quer dizer estrela e Cuéi, feminina). Candiê-Cuéi é quem apresenta os tubérculos como a batata e o inhame ao viúvo, que acha tudo uma delícia, claro! Naquele tempo os Apinajé não sabiam cultivar a roça e logo a moça irá introduzir o brilho dourado – e o sabor maravilhoso – do milho na vida da aldeia. Louvando mais um alimento extraordinário de nossas terras, Como surgiu a mandioca é um mito do povo Tembé (dos estados do Pará e Maranhão) e fala do poderoso pajé Maíra ensinando o plantio da mandioca. Ele transforma a roça de camapu (também chamado de physalis) em maniva (mandioca) e ensina o roceiro como proceder. Ao entrar na casa, Maíra ordena que o homem volte e busque a mandioca para prepararem a saborosa bebida manicuera. O homem não acredita no pajé, seria impossível que a mandioca já estivesse brotando! O pajé, por sua vez, amaldiçoa a falta de fé do homem e o condena a colher a mandioca apenas uma vez por ano. 

Como apareceu o fogo é um mito da tradição Caiapó (que vive no sul do Pará e tem uma população de aproximadamente nove mil pessoas) e conta a história de um menino adotado por um pai onça. A criança passa um tempo com o pai onça, que lhe presenteia com o calor do fogo e também o ensina a caçar e a manejar o arco-e-flecha. O pai onça permite que o menino retorne aos Caiapós, seu verdadeiro povo e promete que lhes ensinaria a fazer o fogo. Depois de muitas aventuras o menino consegue retornar à sua aldeia e leva os parentes para conhecer o pai onça e aprender a dominar o fogo. Lindo o trecho em que o pai onça entrega o fogo ao seu filho de criação e o menino passa a tocha à anta, que fora escolhida como a carregadora do fogo. Que imagem, uma anta carregando uma tocha através da floresta, seguida pelos Caiapós e também pelo atrapalhado pássaro jacu, que engole uma brasa e por esse motivo tem a garganta cor de fogo até hoje. Adorável. Ao final do livro, há uma vasta bibliografia que certamente irá nos inspirar em busca de mais conhecimento sobre a nossa grandiosa população indígena. Aproveitem. 

Os filhos do sangue do céu e outras histórias indígenas de origem
Autor: Daniel Munduruku
Ilustradora: Rosinha
Editora: Landy
Tema: Contos populares
Faixa etária: A partir de 11 anos 
 
Leia também: Um dos livros indicados por Daniel Munduruku é um livro que amo, Literatura oral para a infância e a juventude (Editora Peirópolis). Os contos, mitos, fábulas e lendas recolhidos aqui pela poeta mineira – e musa!!! – Henriqueta Lisboa são uma forma perfeita de mergulhar na nossa cultura. Item imprescindível na minha e na sua biblioteca.

Nhokotorô, uma menina caiapó, tem o rosto pintado pela mãe para festa de celebração da natureza [fotografia de Mário Rainha Campos]
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