Livro do dia: Nós acreditamos em duendes e outros seres encantados - Vol. I

Livro do dia: Nós acreditamos em duendes e outros seres encantados - Vol. I

Posted by Kátia

Existe uma palavra em irlandês que denomina as criaturas encantadas: sheehogue (lê-se sidheóg). Mas quem são eles? Os camponeses dizem que são anjos caídos, nem bons o bastante para serem salvos, nem maus para serem punidos. O Livro de Armagh diz que são os deuses da terra. Pode ser que sim. Muitos poetas (incluindo aí o colossal William Blake) e mais os místicos de todas as eras declararam que por trás do mundo visível existem grandes hostes de seres conscientes, que não têm uma forma definida, mas mudam de acordo com os seus caprichos ou com a mente de quem os vê. O mundo visível é apenas seu invólucro. Nós andamos no meio deles nos sonhos, e brincamos e brigamos com eles. 

O folclore da Irlanda é tão vasto que fica difícil contemplar tantos seres mágicos num único post. Por isso hoje teremos vários pequenos textos no face para dar conta de todos os leprechauns, sereias, pookas, bruxas, banshees, fantasmas, etc, etc. Aqui nos concentraremos nos maravilhosos contos do livro, uma bela forma de comemorar esse Dia do Leprechaun. Começamos com Frank Martin e os duendes, onde um homem diz que vê e conversa com a “boa gente” (ou daoine maithe, que é como os seres encantados gostam de ser chamados) o tempo todo. Ele fica tão famoso por conta disso que é sempre convocado para resolver casos sobrenaturais nas redondezas. 

A lenda de Knockgrafton conta a bela história de Lusmore (“dedaleira azul”, em irlandês), um corcunda que vivia aos pés das sombrias montanhas de Galtee. Ele ganhara esse apelido porque sempre usava uma flor de dedaleira azul em seu chapéu de palha. Lusmore, solitário e gentil, encontra certo dia um fosso encantado dentro do qual se pode ouvir uma melodia fascinante. Ao entoar o canto e fazer coro ao povo encantado ele será recompensado da melhor maneira possível. Já o divertido Patrão e criado narra as peripécias do jovem Billy, que depois de cometer uma indelicadeza com um claricaun (uma espécie de leprachaun que habita adegas e depósitos de vinho) é obrigado a serví-lo por sete anos e um dia. O rapaz usará de todas as suas artimanhas para fugir deste castigo. Engraçadíssimo também é O gaiteiro e o pooka, onde um gaiteiro bem ruinzinho que só sabe tocar uma música acaba por agradar um pooka – que é um espírito animal. O gaiteiro é convidado a participar de uma festa no alto de Croagh Patrick ( "Monte de Saint Patrick") e é recompensado com ouro. E com muitas músicas novas para o seu repertório – bem que ele estava precisando, hahaha. 

Mas é claro que também temos os contos tenebrosos (que eu adoro!) e talvez aquele que provoque mais calafrios seja Teig O’Kane e o cadáver. Aqui temos novamente o jovem que ofende a boa gente, só que Teig possui um agravante: levava uma vida desregrada e entristecia o pai. Teig é então condenado a enterrar um cadáver num dos vários cemitérios indicados pelos duendes (o prazo se esgota ao amanhecer) e a jornada dele é repleta de horrores, como cadáveres falantes, mortos andantes e chamas que se materializam do nada. Magistral! Igualmente assustador é Um Far Darrig em Donegal onde o latoeiro ambulante Pat Diver vive de consertar chaleiras e frigideiras de cidade em cidade. Numa madrugada, dormindo num estábulo, ele é acordado por um Far Darrig (“o Homem Vermelho”) e seus asseclas e terá que lutar muito para sobreviver a este pesadelo sem fim. 

Continuando com histórias horripilantes, temos a figura da banshee (a mulher que chora), uma das entidades do folclore irlandês mais emblemáticas e conhecidas do mundo. Como Thomas Connoly encontrou a banshee fala do embate entre homem e criatura e a visão de um rosto quase inenarrável de tão medonho. Para finalizar, um conto mais leve e cheio de aventura, As gaiolas de almas. Jack Dogherty, que vivia na costa do Condado de Clare, desde sempre fora um entusiasta dos seres encantados. Logo ele faz amizade com Coomara, um tritão, que, com a ajuda de seu chapéu mágico leva o humano para um passeio no fundo do mar. Lá chegando, só encantamento: Jack fica hipnotizado com a fortaleza do novo amigo de onde se pode avistar o mar acima de sua cabeça e os peixes como que nadando num céu. Depois do banquete Coomara lhe mostra suas gaiolas de almas, local onde guardava as almas dos náufragos. Jack, ressabiado, tenta encontrar uma maneira de libertar aquelas almas sem insuflar a ira do tritão. Enfim, essas são as minhas histórias preferidas, mas vale a pena ler o livro todo, os contos populares irlandeses são riquíssimos! E se ficou fascinado pela Irlanda, como eu, aqui tem mais uma antologia para você. Boa leitura. 

Nós acreditamos em duendes e outros seres encantados – Vol. I
Autores :  Textos de W. B. Yeats selecionados por T. Crofton Croker, S. Lover, Letitia MacLintock, Lady Wilde, William Carleton e outros
Editora: Landy
Tema: Contos populares
Faixa etária: A partir de 14 anos 
 
Assista também: Num ano em que o Oscar teve entre os seus indicados a Melhor Animação apenas as produções mais geniais do planeta, o destaque vai certamente para Song of the Sea (2014), inspirado no folclore irlandês, claro! A história segue os passos do menino Ben, que não conseguiu superar a perda da mãe quando do nascimento de sua irmãzinha Saoirse. Ao completar seis anos, a pequena – que ainda não desenvolveu a fala – encontra um casaco mágico que lhe confere poderes de uma selkie, uma criatura que assume a aparência de uma foca na água e humana na terra. Ao mesmo tempo em que os irmãos são apartados do pai deprimido, Ben descobre que a única salvação do povo encantado seria a canção da selkie, mas para isso eles precisarão retornar para casa e recuperar o casaco de Saoirse. Como se isso não fosse o bastante, eles enfrentam a ira de Macha, a Bruxa Coruja, que quer eliminar todos os sentimentos do mundo. Esplêndido.

"Ela está cantando a canção para guiar todas as fadas até seu lar, através do mar"...
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