A singularidade do livro do dia começa logo em seu imponente título: Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas e algumas outras coisas que não são tão sinistras, quem sabe dependendo de como você se sente quanto a lugares que somem, celulares extraviados, seres vindos do espaço, pais que desaparecem no Peru, um homem chamado Lars Farf e outra história que não conseguimos acabar, de modo que talvez você possa quebrar esse galho. Ufa! É uma reunião de contos no melhor estilo nonsense e conta com autores fabulosos como Neil Gaiman, Nick Hornby e Jonathan Safran Foer. Há também muitas boas surpresas de autores nem tão conhecidos por aqui. Difícil é selecionar apenas alguns deles para comentar com vocês. Mas, vamos lá, me esforçarei ao máximo para não cometer nenhuma injustiça. 

A história inacabada do título vem impressa na sobrecapa do livro. Cabe ao arguto leitor terminá-la: cinco crianças sentadas num círculo, no escuro, projetam seus desejos para fora daquele ambiente opressor. Quer dizer, a mais nova delas, Miranda, não projeta nada, e sim chama a atenção dos amigos para a realidade dos fatos. Eles estavam sozinhos naquela empreitada e precisavam decidir o próximo passo. Ao que Robin indaga, “mas como é possível? Apenas algumas horas atrás a gente estava num piquenique com Madame Blatavsky, quando de repente...” Bom, depois do “de repente”, a bola é atirada ao leitor, que pode exercitar sua criatividade numa boa. Um ótimo início de livro. Além de escrever essa história pela metade, Lemony Snicket faz ainda a introdução, ressaltando as diferenças entre histórias legais e chatas. Caso alguém aí curta histórias chatas, ele dá uma mãozinha, citando vários exemplos a fim de agradar a todos os tipos de leitores. Brilhante. 

Nick Hornby deixa a sua contribuição com Pequeno País, onde um garoto estarrecido, Stefan, descobre que o seu país não consta em nenhum mapa, pelo simples fato de ser pouco maior do que um campo. Em menos de um minuto dá para atravessar o país andando. Não tem moeda própria, selo, exército, prisão e por aí vai. Mas, claro, possui um time de futebol (paixão real do autor), daqueles tão tenebrosos que perde sempre de 30 X 0 - no mínimo. As coisas pioram para Stefan quando ele tem de substituir o pai no time – o menino era muito mais apegado aos livros do que aos esportes. Já a deliciosa história de cowboy As Competições de Cowlick, de Richard Kennedy, traz o bandido Osso de Porco e sua impiedosa gangue lutando contra a astúcia do jovem Wally. 

O Terceiro Desejo de Seymour, de Sam Swope, conta a história de um pequeno ogro que faz de tudo para chamar a atenção de sua mãe. Ela, uma ogra malvada, prefere a companhia de seus 1138 gatos à do filho. O destino de Seymour muda quando ele tem um encontro inusitado com um duende, que lhe concede três pedidos. Fofo demais. O excelente Grimble, de Clement Freud, narra as peripécias de um garoto que tem pais malucos: o casal viaja para o Peru, assim sem mais nem menos, e deixa vários bilhetes espalhados pela casa. O menino tem de ir à caça dos bilhetes – e de bizarros amigos da família - para poder sobreviver sem os pais.

Neil Gaiman, meu queridinho, nos oferece o sensacional Pássaro-do-Sol. Formado pelo quinteto mais excêntrico de todos os tempos, o Clube Epicurista promove jantares nos quais a raridade dos ingredientes é a única lei. Cansados de tantos “mamutes congelados, lulas colossais, pássaros-construtores-de-cetim, abutres, toupeiras e morcegos”, eles vão em busca da iguaria suprema, o lendário pássaro-do-sol. Mas o meu conto preferido é certamente O Telefone da ACSE, de Jeanne DuPrau, onde o garoto Martin recebe a missão de cuidar de um celular mágico, que capta todas as emoções dos cães da vizinhança. Lindo é pouco. Cada história é ilustrada por um artista diferente, e nomes lindos como Lane Smith e Peter de Sève deixam a edição ainda mais envolvente e sofisticada. Nota 10.