Há exatamente um ano, um anjo caiu do céu e entrou em minha vida de forma definitiva. Ela mal sabia miar e era tão pequenina que cabia inteirinha na palma da minha mão, mas entre tantas pessoas que poderiam tê-la adotado, ela me escolheu. Ela veio a mim - estava sozinha em casa – e eu a resgatei da boca do “leão”. Ela me agradeceu escalando-me e se aninhando ao meu pescoço. Foi paixão à primeira vista. Eu, que havia me fechado numa concha desde que perdera minha Sally, fui escolhida por uma gatinha preta minúscula com profundos e gigantes olhos de ouro. Eu não sabia se poderia amar de novo, mas no instante em que olhei para ela soube que sim. Ela me disse que sim. Enfim, hoje comemoramos o aniversário de um ano da Banguela com uma história que também fala da conexão especial entre um menino e seu gatinho, em mais um livro da espetacular Silvana Gandolfi (leia mais sobre ela aqui). 

A vida de Dante está de pernas para o ar. De uma hora para outra seus pais se mudaram para Hong Kong a trabalho e ele foi deixado sob a guarda da avó, em Veneza. Teve que trocar de colégio antes do término do ano letivo e ainda por cima descobriu que é disléxico. Para ajudá-lo a superar as dificuldades, sua avó o envia para aulas particulares com o excêntrico Cosimo Dolente. Alto, de sorriso fácil e encorajador, sobrancelhas rebeldes, cabelos longos e, o principal, brilhantes olhos cinzentos, Cosimo recebe o menino Dante de roupão e pantufas remendadas: a própria imagem do cientista maluco. O garoto fica instantaneamente fascinado com o estilo de vida quase ermitão do professor Dolente: cômodos amplos e assustadores habitados por dezenas de gatos, centenas de livros e objetos dos mais curiosos como quadros que retratam pessoas sinistras, uma caveira tão lisa e amarela que parece de madeira e uma misteriosa portinhola vermelha fixada no meio da parede. 

Dante e Dolente estabelecem uma relação de cumplicidade e, entre uma xícara de chocolate quente e um jogo de inventar histórias com palavras inexistentes, o menino vai aprendendo a ter autoconfiança. Dolente, aliás, é um daqueles personagens singulares e inesquecíveis da literatura, e sua maravilhosa teoria do chocolate está aí para provar isso. Ele acredita que duas pessoas que compartilham um chocolate quente podem ler o pensamento uma da outra. O chocolate dilata as sinapses do cérebro humano, ou seja, a ligação das células nervosas entre si enviam impulsos às células do outro bebedor de chocolate. Parece complicado, mas é isso aí: o chocolate tem poder. Para provar sua teoria, Dolente finalmente revela o enigma por trás da portinhola vermelha: trata-se de um laboratório onde o alquimista do chocolate realiza experiências de telepatia induzidas por substâncias encontradas nas sementes do cacau. Quando tratada de forma certa, ao espremê-la consegue-se um líquido que é energia pura. E é justamente esse líquido milagroso que unirá Dante ao gatinho Virgílio para sempre – e aqui há a clara referência ao poeta Virgílio, aquele que orienta Dante na jornada espiritual através do Inferno, Purgatório e Paraíso no clássico A Divina Comédia. O gatinho também auxiliará o menino Dante numa busca frenética pelos canais de Veneza. E além. 

Mas antes voltemos ao momento mágico em que Dante vê Virgílio pela primeira vez: recém-nascido, com os olhinhos ainda fechados, todo pretinho a não ser pelas duas patas dianteiras que mais se parecem com botinhas brancas. Dolente se apressa em pingar o tal “colírio” nos olhos do bichano, dizendo que o menino deveria se plantar na frente do gatinho e ser a primeira criatura que ele vislumbrasse ao abrir os olhos. Desta forma eles criariam uma conexão tão profunda que ultrapassaria a simples leitura de pensamentos: “Se ele tiver olhando fundo dentro de você...se tiver penetrado em você...se conseguirem se olhar desse jeito, então você poderá ver com os olhos de Virgílio. Mesmo que estejam longe. Se você fechar os olhos e assim desejar, poderá ver tudo aquilo que Virgílio está vendo naquele momento.” 

O instante em que Virgílio vê Dante pela primeira vez é igualmente mágico, mas logo os dois são separados por uma tragédia e a única maneira do menino reencontrar-se com o seu gatinho será através do precioso elo telepático. Dante vê através de Virgílio e percebe que o gatinho está sozinho na rua. O garoto tenta desesperadamente reconhecer os edifícios e as ruas, mas antes que consiga alcançá-lo, Dante enxerga um mar revolto de cabelos loiros e percebe que Virgílio foi resgatado por uma garotinha. Inabalável, ele continua em sua busca e é com terror que presencia telepaticamente o sequestro da menina, com o gatinho e tudo! E agora, o que fazer? Só o amor que une duas almas gêmeas pode prevalecer contra o mal. O amor de Dante e Virgílio. Que é como o meu amor pela Banguela. Um amor inocente que me acorda com beijos e mordidas. Uma felicidade radiante que só pensa em correr atrás da bolinha, dia e noite. Uma energia puríssima que ataca a minha perna como quem diz “vamos brincar de esconder”? Uma alegria verdadeira que faz os olhos brilharem ainda mais e que conversa comigo, por quê não, telepaticamente? Ou vocalmente mesmo porque eu entendo seus miadinhos afetuosos com perfeição. Ela abraça meus pés quando eu volto para casa, traz a varinha para a cama porque quer brincar às quatro da manhã, agarra os petiscos com suas patas fofas e dorme na escrivaninha só para ficar pertinho de mim. Banguela mudou a minha vida completamente e hoje posso dizer que ela restaurou todas as coisas boas que eu nem sabia mais que pudessem existir dentro de mim. Um viva do tamanho do mundo para ela! Feliz aniversário Banguela!!! 

Leia também: Max, o Corajoso (Companhia das Letrinhas) conta a história de um gatinho preto muito fofo, com grandes olhos amarelos (a cara da Banguela ) que gosta mesmo é de se sentir um supergato caçador de ratos. Para se tornar esse grande herói, ele precisa descobrir primeiro o que é um rato. Lá vai então o valente Max em sua jornada, entrando em contato com outros animais e seguindo firme em busca do terrível vilão. Adorável.