Livro do dia: As margens da alegria

Livro do dia: As margens da alegria

Posted by Kátia

Não há nada mais agradável do que comemorar aniversários de pessoas queridas com...livros! Não sei se isso acontece com todo mundo, mas quando me deparo com certos livros já vejo o rosto do parente ou amigo sorrindo, sempre foi assim, é olhar para a capa ou às vezes só o título ou o autor e – batata! – o meu pensamento viaja até aquela pessoa, afagando-a onde quer esteja. Hoje é um desses dias superespeciais porque é o aniversário de uma das minhas amigas mais queridas, a Natali. Ela é uma pessoa linda, inteligente, doce, de personalidade admirável e inspiradora, uma companheira que mesmo a mais de mil quilômetros de distância enche os meus dias de alegria. Temos muitas coisas em comum: ela ama animais - foi quem me deu a maior força para adotar a Banguela -, possui fortes raízes italianas, é adepta da boa mesa, curte quadrinhos, animações fofas, filmes de época e graças a ela descobri uma das maiores paixões da minha vida que é a série britânica Downton Abbey (já em sua temporada final, snif). Ah, é claro que a Natali também é uma bibliófila e, além disso, uma especialista em João Guimarães Rosa. Acho que ela é a fã mais ardorosa de Guimarães Rosa que já conheci, e espero estar à altura para falar sobre ele aqui no nosso livro do dia. 

As margens da alegria é o conto que abre o livro Pequenas Estórias – o primeiro livro de Guimarães Rosa que li e meu preferido do autor até hoje -, publicado em 1962 e que tem como personagem principal o Menino, prestes a realizar uma viagem daquelas com os tios para “onde se construía a grande cidade”. É um conto sobre o deslumbramento das primeiras experiências, das descobertas, um misto de euforia e alegria que o Menino vivencia em cada segundo de sua aventura. “Era uma viagem inventada no feliz; para ele, produzia-se em caso de sonho”. Lá vai então o Menino com a tia, o tio e o piloto num pequeno avião da Companhia, de quatro lugares, e como se aquilo não fosse espetacular o suficiente, todo aquele ritual de afivelar o cinto, decolar, consultar os mapas, havia algo ainda mais emocionante: o mistério do porvir. 

Ele chega ao seu destino; a manhã ainda mal nasceu. Do campo de pouso vão direto a casa – uma casa de madeira, sobre estações, quase adentrando a mata – e o Menino vai ficando mais e mais empolgado, ele contempla, ele respira, ele imagina tudo o que poderia acontecer ali. Da mata fechada podiam sair índios, onças, leões, lobos e caçadores – por que não? – mas também pássaros maravilhosos, coloridos, encantados. E é aí que ele se encontra com o imponente peru, com sua cauda em roda e o roçar das asas no chão, como que a desafiá-lo, proclamando-se o rei daquele terreiro. Ele é lindo, com a cabeça pintada de azul, o grande papo vermelho, o corpo redondo com reflexos metalizados de verde e preto, perfeito, um “peru para sempre”. E quando ele gruguleja, o mundo parece se tornar ainda mais belo: “Tinha qualquer coisa de calor, poder e flor, um transbordamento”. 

Mas o Menino também experimenta a tristeza e a dor da perda – são alguns trechos bem melancólicos, preparem a caixinha de lenços! Num de seus passeios, ele e a tia vão visitar o terreno do futuro aeroporto e o que ele presencia ali é uma violência à natureza: árvores arrebatadas por tratores, o silêncio daquela não-floresta que devia estar apinhada de vida, onde o cantar dos pássaros? Um ribeirão de águas cinzentas, o ar cheio de poeira, galhos esturricados de árvores agonizantes que já perdiam a cor. O Menino treme. E aqui há de se abrir parênteses para as espetaculares ilustrações do também mineiro Nelson Cruz – que, entre tantos trabalhos lindos, deu vida à Chica & João e O caso do saci, além de ter ilustrado o Aprendiz de feiticeiro de Goethe e o Conto de Escola de Machado de Assis. Dá pra sentir tudo o que o Menino vive em cada um de seus desenhos, seja a pequenez diante da boca do trator ou a janela escancarada a lhe dar novas esperanças. 

Enfim, é realmente uma ótima maneira de se iniciar no mundo maravilhoso de Guimarães Rosa, um verdadeiro expert na arte de criar personagens inesquecíveis. Para os maiores recomendo a leitura das Primeiras Estórias na íntegra – não se esqueçam de ter sempre um dicionário à mão, porque ler Guimarães Rosa não é somente desbravar Minas Gerais de uma forma que a gente nem imaginava ser possível, é também aprender (muitas) palavras e amar cada vez mais essa belezura que é a nossa língua. Enfim, uma joia da literatura brasileira, dedicada a uma amiga preciosa. Parabéns, minha queridona Natali!!! 

As margens da alegria
Autor: João Guimarães Rosa
Ilustrador: Nelson Cruz
Editora: Nova Fronteira
Temas: Universo infantil; Perda e superação; Clássico
Faixa etária: A partir de 10 anos 
 
Leia também: Eu e a Natali curtimos muuuuitos quadrinhos, mas somos realmente fanáticas pelo Snoopy - e toda a Peanuts Gang – e pelos Mutts (ou Vira-Latas), de Patrick McDonnell (saiba mais eles aqui). Como hoje é o dia dela, a dica é de um livro que ela ama, claro, o adorável Nada de Presente (Ed. Girafinha). Aqui encontramos os nossos fofíssimos vira-latas - o gatinho Mooch e o cachorrinho Earl - em um grande dilema, o que dar de presente para o seu melhor amigo se ele já tem tudo? É isso o que o criativo Mooch terá que descobrir, de um jeito ou de outro, nem que seja à base de muita reflexão. Sensacional! E agora com a voz do Mooch: “Felix Aniverxário!!!”

Eu e você, você e eu ♥♥♥♥♥
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