Livro do dia: Veludo - História de um ladrão

Livro do dia: Veludo - História de um ladrão

Posted by Kátia

Último dia de junho. Estamos nos preparando para um mês maravilhoso de julho, um mês dedicado às artes e às celebrações de aniversários de pessoas muito queridas. Essa semana, como que num aquecimento para as coisas boas que vêm por aí, nos dedicamos aos livros com projetos gráficos incríveis e ilustrações de tirar o fôlego. O primeiro deles é Veludo, livro da dupla italiana Silvana D’Angelo e Antonio Marinoni, que conta a história de um ladrão especializado em “roubar” aromas e memórias das casas que visita. Agindo especialmente no final da primavera, quando o cheiro das casas, assim como o perfume das flores, é mais intenso, Veludo e seu cúmplice - que vem a ser o próprio nariz – escolhem as vítimas perfeitas de forma minuciosa: aquelas que deixam um rastro de casa feliz. 

Esta noite Veludo visita o lar de Corinne, bailarina que encontrou na saída de um teatro. Mas não pensem que Veludo é um stalker e quer fazer mal à moça ou à sua família, ele quer apenas colecionar sensações e está eternamente em busca de um aroma misterioso que só é revelado no final. Num maravilhoso projeto que nos apresenta ilustrações em plano-sequência, como num filme mesmo, acompanhamos as andanças de Veludo pelo apartamento de Corinne, enquanto ela prepara o jantar para o marido e os filhos. Os aromas começam a invadir o olfato de Veludo: o óleo de nogueira utilizado para lustrar os móveis, a lavanda das gavetas de roupas, a borra do café, mas o que chama a atenção de Veludo é o cheiro dos quadros, que impregna a casa. As tintas a óleo que levam séculos para secar. Mas também o mármore dos bustos, porque o mármore “não esquece a luz que bate sobre as pedreiras, como sobre uma ferida aberta”. Lindo e poético. 

Da cozinha vem o aroma das especiarias: a magia da canela, o frescor do gengibre, a sutil hostilidade do coentro e do cominho. E o curry, predominante, que as crianças não apreciam nadinha. Dá pra perceber de cara que Corinne adora cozinhar e o marido Claude aproveita muito bem seus dotes culinários, esbaldando-se num prato de carne de vaca à tailandesa. Os meninos logo terminam o jantar e pedem uma história ao pai, que lhes conta as aventuras e infortúnios de uma ancestral, a bailarina de flamenco Amalia Benicio y Gasset. A bela moça teria conquistado corações pelo mundo afora, inclusive o do famoso pirata Tremain, horror dos sete mares, que lhe cobriu de joias. Mas Amalia recusou todos os pretendentes e casou-se por amor, com um poeta chamado Gaston Moitessier. O pirata, de coração partido, passou seus últimos dias como sacristão em uma catedral. 

Veludo ouve atento à história, mas não é exatamente isso o que ele procura ali. Seu nariz trabalha à exaustão e ele continua na busca daquele aroma especialíssimo já quase perdido no tempo. Seguimos em seu encalço, cômodo a cômodo e nos deparamos com detalhes magníficos dos objetos que povoam o lar de Corinne: sapatilhas esquecidas na sala, livros empilhados de maneira carinhosa, uma gravura de borboleta, uma chaleira de design curioso, uma cadeira de estofado roxo, quadros, muitos quadros, de diferentes épocas e estilos, um candelabro, mais livros, um violoncelo, um relógio antigo de piso, um globo terrestre luminoso, e a verdade é que, como Veludo, nós quase conseguimos sentir o odor de cada um deles. Sim, aqueles objetos estão vivos, pois encerram em si todas as dores e alegrias daqueles que os possuíram. 

Depois do jantar os meninos Pierre e Emile brincam, a mãe trabalha na cozinha e o pai no escritório, de onde emana o doce aroma do tabaco holandês. Com a movimentação das crianças, Veludo precisa de um esconderijo e logo encontra um “irmão” na arte da fuga, um mestre da elegância, discrição e agilidade. É claro que estou falando de um gato, um lindo gato preto que o segue pelos aposentos e com quem faz um pacto silencioso. Afinal de contas quem nunca perdeu um anel e o encontrou dias ou até semanas depois num cantinho ao qual ele nunca teria chegado sozinho? Culpa do adorável ladrãozinho de quatro patas, óbvio! Para Veludo e para os gatos, roubar é uma necessidade da alma, um ideal. 

E, enquanto “rouba” os aromas dos sonhos de cada membro da família, Veludo é intimado pelo fantasma de Madame Moitessier a ir farejar em outro lugar! Os fantasmas são os únicos que não têm cheiro de nada e por isso sempre surpreendem o nosso ladrão. A família de Corinne tem a proteção daquela alma e o intruso Veludo “não é um de nós”. Cabe a ele retirar-se como cavalheiro e tentar capturar em outras paragens o único perfume capaz de reconduzí-lo à casa de sua infância. Esperamos que esse dia chegue e quem sabe assim poderemos descobrir a verdade oculta sob a máscara de Veludo. Soberbo! 

Veludo – História de um ladrão
Autora: Silvana D’Angelo
Ilustrador: Antonio Marinoni
Editora: Pequena Zahar
Tema: Arte
Faixa etária: A partir de 11 anos 
 
Assista também: Inspirado no personagem criado pelo autor francês Maurice Leblanc, o anime O Castelo de Cagliostro (Rupan Sansei, 1979), segue os passos do galante ladrão Arsène Lupin III, neto do Lupin original. Aqui ele se vê numa luta contra a maior rede de falsificações de dinheiro do mundo e ainda precisa encontrar tempo para salvar a princesa Clarisse. E, claro, para fazer o inspetor Zenigata de bobo. Um clássico dirigido pelo gênio-mor Hayao Miyazaki, imperdível!

"Até os sonhos de olhos abertos têm seu perfume"...
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