Livro do dia: Noah foge de casa

Livro do dia: Noah foge de casa

Posted by Kátia

Eu costumo ser exagerada em minhas paixões, isso é fato. Uma delas é o teatro de marionetes, como vocês podem confirmar aqui e aqui. Se o meu sonho infantil era ser bombeira, o meu maior desejo como adulta, depois de me aventurar e conhecer um bocado do mundo e do ser humano, é o de me juntar a uma trupe de teatro de marionetes. Seja como titeriteira (que é a pessoa que manipula o boneco),    como artesã empunhando o formão e o martelo, figurinista, roteirista ou diretora. É um amor realmente desmedido e espero que, num futuro próximo, esse amor se concretize. Enquanto isso, fico com os espetáculos, os filmes e, claro, os livros que tratam do tema.

Noah foge de casa tem todos os elementos para arrebatar crianças, jovens,  adultos e certamente os idosos: conta o possível desdobramento da história do menino-boneco Pinóquio, clássico eterno que todos amamos. Além disso, tem a trama de outro garoto em conflito com a família – o Noah do título, que decide fugir de casa para não ter que enfrentar os seus terríveis problemas. Depois de passar por duas cidades esquisitas nas quais é hostilizado, Noah adentra o “reino dos sonhos”, uma floresta encantada onde logo faz amizade com um amável salsichinha e um burro que só pensa em comida. Surge então, na sua frente, uma casa de madeira que não era bem uma casa, totalmente fora de esquadro, com pontas aparecendo aqui e ali. Ainda mais impressionante do que a casa era a árvore imensa que brotava no meio do jardim. À primeira vista podia parecer uma árvore comum, mas ela tinha um efeito hipnotizante e uma lenda envolta em mistérios.

O salsichinha conta a Noah sobre a loja de brinquedos instalada ali, na casa que nem de longe lembrava uma casa. O menino resolve se arriscar e entra na loja, na esperança de descansar um pouco e comer alguma coisa (ele estava faminto!). No silêncio acolhedor daquele lugar, Noah descobre que todos os brinquedos eram feitos de madeira, desde blocos, carrinhos, trens, casas e barcos até os títeres, maravilhosos bonecos que pareciam ter vida própria. E é aqui que surge o melhor personagem da história, o velho dono da loja de brinquedos. Solitário e talentosíssimo, o velho constrói maravilhas com as mãos e tem como companheiros leais uma porta maratonista chamada Henrietta e um tímido relógio russo, Alexander. Sentindo-se à vontade na loja mágica, Noah conta que fugiu de casa, mas reluta em dizer o motivo. Para ganhar a confiança do garoto, o velho o leva para almoçar a mais de duzentos degraus acima, num cômodo ainda mais maluco do que o resto da casa. Tudo ali se movia de acordo com os passos do dono da casa, as comidas se preparavam sozinha, o suco de laranja era espremido como que por encantamento, os móveis andavam e os bonecos feitos pelo velho interagiam com eles.

Durante o almoço, Noah vê um baú magnificamente entalhado e dentro dele encontra lindos títeres feitos pelo pai do velho, que até hoje os guarda com muito amor e saudade. Tentando entender o que acontecera com Noah, o velho começa a contar a história de sua vida através de cada um dos títeres do pai (ideia genial!), o que incentiva o garoto a falar sobre a mãe e o real motivo da fuga. Eu sinto aqui ecos das histórias de Hayao Miyazaki, que sempre falam da relação do homem com a natureza, em especial Sussurros do Coração (que já indiquei aqui), justamente por contar a saga de um excepcional boneco em forma de gato, o Barão. E isso sem falar na própria história de Pinóquio, que o autor irlandês John Boyne recriou a partir do momento em que ele vira um menino de verdade. Vai me dizer que você nunca quis saber o destino de Pinóquio e Gepetto? Eu sempre imaginei como a história deles continuava (tenho mania de fazer isso) e a criativa versão de Boyne me agradou de montão. Altamente recomendável.

Noah foge de casa
Autor: John Boyne
Ilustrador: Oliver Jeffers
Editora: Companhia das Letras
Temas: Aventura; Família; Perda
Faixa etária: A partir de 07 anos

Assista também: In the Attic (2009). Vindo da prestigada escola tcheca de mestres marionetistas, Jiří Barta nos brinda com uma esplêndida animação cheia de texturas, que tem como personagens principais uma linda boneca de pano chamada Buttercup e seus amigos – um ursinho de pelúcia, um ratinho mecânico, uma tradicional marionete tcheca com alma de Dom Quixote e uma criatura engraçada que mais parece a junção de várias peças perdidas – que empreendem a tal batalha dos “brinquedos do sótão” para salvá-la da Terra do Mal. Artesanal e belo. 

Titeriteiro, pintura de Bob Byerley
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