Livro do dia: A chegada

Livro do dia: A chegada

Posted by Kátia

Confesso que os últimos dias foram um tanto melancólicos. Muita coisa deu errado, houve desencontros e algumas péssimas constatações, fiquei doente e minha tristeza atingiu o ápice no sábado, quando li uma matéria sobre o amor extremo aos animais. É claro que pensei na minha Sally, relembrei certos acontecimentos e a saudade transformou-se em dor. Uma dor que não queria me abandonar, que me fazia enxergar apenas a tonalidade preta. Então, não teve jeito, recorri à luz e ao encantamento de Shaun Tan. Gostaria muito de dividir este livro com vocês numa data ultra especial, porque ele em si é um evento. Quando eu leio Shaun Tan, o universo para por ele. Durante uns microssegundos, mas para. Entretanto, meu coração pede que eu escreva sobre ele hoje, então, com vocês A chegada!

O tema principal deste livro poético em imagens é a imigração e o sentimento de cada uma dessas pessoas perante a terra desconhecida. Um homem fascinado pela arte do origami decide tentar a sorte e a fortuna numa terra distante, assombrado ao longe por tentáculos negros espinhosos –  aqui há espaço para muita alegoria, cabe a você decidir se os personagens enxergam o fantástico ou se se as criaturas são apenas representações de suas mentes machucadas e esperançosas. Com lágrimas nos olhos, ele se despede da esposa e da filha e parte num imenso navio.

O livro é classificado como infantojuvenil, mas pode ser também apreciado como uma obra de arte em quadrinhos. As ilustrações são feitas a grafite em tons de sépia, com suaves destaques para as cenas em flashback. São como fotos amarelecidas pelo tempo. Para você ter uma ideia do que tem pela frente, numa das sequências do navio, o homem espreita a imensidão através da janela de sua cabine. Ele vê nuvens que assumem diversas formas e, sem brincadeira, o autor criou um painel com trinta quadrinhos por página para mostrar as nuvens que o imigrante encontrou pelo caminho. Você pode (e deve!) parar para apreciá-las e tentar identificar os formatos que assumem. Perfeccionismo puro, lindo demais. Finalmente, o imigrante chega ao seu destino – cena impactante, que me deixa sem palavras. Em seu novo país, ele tem dificuldade para se localizar e procurar abrigo, uma vez que fala mal o idioma. Mas sempre é ajudado por algum antigo morador ou até mesmo por imigrantes que ali chegaram antes dele. Muitas histórias são contadas ao nosso amigo, que tem o dom de comunicar-se através de suas dobraduras cheias de vida. Ele faz amigos, arruma um emprego e encontra o seu “avatar”, que é um animalzinho de estimação fofíssimo que o ajuda a adaptar-se, um ser engraçado e carinhoso que parece...não sei ao certo com que ele se parece! Criaturinha fantástica de corpo roliço, orelhas redondas, cauda maleável, olhinhos redondos de puro amor e uma bocarra imensa que guarda uma língua comprida. Adorável é pouco.

No país fabuloso no qual o imigrante agora reside, os barcos voam, as comidas têm um formato estranho, há instrumentos musicais de design quase impossível, ovos gigantes, animais andando pelas ruas e luzes que pairam pela sua cabeça. Há também pessoas generosas, solidariedade, união, música e riso. Logo o imigrante manda buscar sua família e o momento do reencontro é de fazer soluçar até a barriga doer. O trabalho de pesquisa para o livro consumiu quatro anos da vida de Shaun Tan e tem como inspiração centenas e milhares de relatos de imigrantes, de diversos países e períodos históricos, inclusive o do pai dele, que imigrou da Malásia para a Austrália nos anos 60. Preciso, detalhista, cuidadoso, genial. Autor de alguns de meus livros preferidos, leia mais sobre esse artista excepcional aqui e aqui.

A chegada
Autor/ilustrador: Shaun Tan
Editora: SM
Temas: Família; Amizade; Perda; Quadrinhos
Faixa etária: À partir de 10 anos

Leia também: Para continuar emocionado e enternecido, sugiro que você leia o mais breve possível Memorial (Ed. Simply Read Books, sem edição em português), com arte de Tan, claro, e texto de Gary Crew. Uma magnífica figueira plantada como memorial para os soldados australianos que perderam suas vidas na guerra está ameaçada. Para tentar evitar a derrubada da grande amiga, um garoto conta a história da árvore, desde os tempos de seu tataravô. Prepare a caixa de lenços.

Retrato de Shaun Tan, por Nick Stathopoulos. A doce criaturinha de A Chegada o acompanha ♥
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