Livro do dia: O velho e o mar

Livro do dia: O velho e o mar

Posted by Kátia

Hoje falarei sobre um livro que marcou imensamente a minha adolescência e que redescobri há pouco, com uma nova leitura, um novo entendimento, um sentimento ainda mais forte do que há vinte anos atrás. Foi como se o “mar de maravilhas” do velho Santiago - aquele mundo pacífico e ao mesmo tempo cruel, repleto de criaturas enigmáticas, minúsculas, gigantescas, inofensivas e mortais - estivesse vivo  dentro de mim. As emoções do homem que chega ao seu limite físico e psicológico e toda aquela reverência à natureza me deixaram sinceramente comovida. Mas, antes de mergulhar na história, há que se falar de seu autor, o famoso, celebradíssimo Ernest Hemingway. 

Admito que Hemingway e eu temos uma relação  um tanto conturbada. Sou fã de muita coisa que ele escreveu, sem contar que teve uma vida admirável – em partes, já explico – um homem destemido, de extremo vigor físico (lutava boxe) e intelectual, que viveu na Paris dos anos 1920 e respirou o mesmo ar de nomes como Gertrude Stein, James Joyce, Ezra Pound e F. Scott Fitzgerald. Apreciador da boa mesa, descobridor de novas culturas, destruidor de corações, vencedor do Pulitzer e do Nobel. Mas nunca ninguém irá me convencer de que a caçada esportiva é uma caçada “sustentável”. Nada justifica a morte de um animal inocente. Hemingway louvava as caçadas, as touradas, e eu simplesmente não consigo ler certos livros dele. Mas, para cada O sol também se levanta, temos um Por quem os sinos dobram e eu quase me desmancho de amor pelo último. No final das contas, Hemingway também roubou meu coração. 

Polêmicas a parte, Hemingway sabia muito bem o que estava fazendo em O velho e o mar. O livro é ambientado em Cuba, e o próprio autor viveu no país por mais de vinte anos, a partir de 1939. Os cubanos são todos apaixonados por ele, e lá sua memória é cultivada lindamente. Sim, o livro do dia é, ao mesmo tempo, uma declaração de amor ao povo simples que o acolheu, e um embate definitivo entre o homem e a natureza. O velho pescador Santiago, há exatos 84 dias sem pescar, desacreditado pelos demais pescadores e tendo como único amigo verdadeiro o garotinho Manolin, seu ex-ajudante, lança-se ao mar numa última tentativa desesperada de recuperar sua hombridade. Mas antes ainda de fisgar o esplêndido marlin de cinco metros de comprimento, reflete sobre o seu lugar no mundo e o do animal que deseja vencer. 

“Por que teria saltado? Quase que diria que veio à tona d’água só para mostrar-me como é grande. Agora já sei, seja lá como for. Gostaria de lhe poder mostrar que espécie de homem sou eu. Mas, nesse caso, ele veria a cãibra que tenho. É melhor que ele julgue que valho mais para ter mais possibilidades do meu lado. Gostaria de ser aquele peixe e trocaria de bom grado a minha vontade e a minha inteligência para ter tudo o que ele tem. [...] Quantas pessoas ele irá alimentar? Mas serão merecedoras de um peixe assim? Não, claro que não. Ninguém merece comê-lo, tão grande a sua dignidade e tão belo o seu modo de agir.” 

Através destas observações de Santiago, e também de suas recordações e sonhos recorrentes com os leões na África, somos alimentados e fortalecidos, pois como o pescador, estamos famintos, sedentos e cansados. Nossos corpos doem, podemos sentir fisicamente a fadiga de Santiago e a do bravo marlin. Para o bem ou para o mal, Santiago precisa resistir, assim como o peixe, com sua imponente cabeça púrpura e imensas barbatanas violetas. O final, inesquecível, leva às lágrimas. Adolescentes de todas as idades irão amar. 

O velho e o mar
Autor: Ernest Hemingway
Editora: Bertrand Brasil
Temas: Natureza; Aventura; Superação
Faixa etária: À partir de 12 anos 

Assista também: Muito bem recomendado pelo meu amigo Fernando, o curta de animação O Velho e o Mar (The Old Man and the Sea, 1999), totalmente desenhado a mão pelo russo Aleksandr Petrov é uma obra de arte à altura do livro de Hemingway e venceu o Oscar em sua categoria no ano 2000.

Santiago persevera noite adentro. Ilustração de Andrey Ivanov
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