Livro do dia: As narrativas preferidas de um contador de histórias

Livro do dia: As narrativas preferidas de um contador de histórias

Posted by Kátia

O contador de histórias Ilan Brenman brinca que a arte da contação é como encarar uma noiva escondida sob várias camadas de véus. A cada pedaço de tecido retirado o que encontramos? Às vezes nem mesmo o contador de histórias sabe e esse é o grande prazer de se narrar uma história. Juntos, contador e público desvelam os véus das mais diferentes narrativas e aqui ou ali surgem novas emoções, ideias, medos. E é com essa sensação gostosa de frio na barriga que comemoramos hoje o Dia Mundial do Contador de Histórias. 

São sete narrativas das mais variadas tradições e confesso que os contos africanos são os meus favoritos. Carne de língua fala de um rei perdidamente apaixonado por uma rainha. Porém, ao se mudar para o castelo do marido, um mistério: a rainha fica doente, definhando a cada dia que passa. Os maiores médicos e curandeiros do mundo são chamados, mas nada podem fazer pela saúde da rainha. O rei decide encontrar a cura, sozinho e sai vagando pelo mundo. Num campo ele avista uma cabana e de longe já consegue ouvir sonoras gargalhadas femininas. Ao se aproximar da janela, ele vê um camponês mexendo os lábios e a camponesa, gordinha e corada transborda de felicidade. Desesperado para descobrir o motivo de tanto júbilo, o rei chama o camponês e lhe pergunta o segredo para tamanha felicidade. Este lhe responde que alimenta a mulher todos os dias com carne de língua. À partir daí, há muita confusão e drama até que o rei compreenda o verdadeiro significado das palavras do camponês. 

Também da África, As mulheres e o céu fala do encontro de duas mulheres e de como uma conversa animada demais criou não somente as estrelas, mas separou de vez o céu da terra. Entre os contos populares brasileiros temos o melancólico A madrasta e o engraçadíssimo O macaco e a velha. Todos os contos do livro são ilustrados por Fernando Vilela, que faz as xilogravuras mais maravilhosas que já vi na vida. O que dizer da imponente figueira que ilustra em página dupla o conto da madrasta? Esplêndido! Há ainda o conto chinês O imperador e a águia, que narra a história de lealdade e amor de uma águia – e que sempre me leva às lágrimas, ainda que eu já o tenha lido mil vezes! – e O lenhador e a criação das histórias, das Ilhas Canárias, que remete às Mil e Uma Noites e me faz pensar na astúcia de Sherazade frente ao domínio do cruel e amargurado Shariar. 

Outra de minhas histórias preferidas (amo mitologia grega!) é A tapeçaria de Aracne que mostra a poderosa deusa da sabedoria, Palas Atena em momento maternal: ela adota a menina órfã Aracne e a leva para o Olimpo, onde a pequena é tratada com muito luxo e atenção. A garota cresce e Atena lhe ensina a ser tecelã. Aracne torna-se mestra na arte, tecendo tapetes magníficos. Vaidosa de seus talentos, a jovem abandona o Olimpo sem nem aos menos se despedir da mãe adotiva e invoca o que os gregos chamam de hybris, algo como a arrogância ante as divindades e as forças da natureza. Precioso conto, precioso livro. 

As narrativas preferidas de um contador de histórias
Autor: Ilan Brenman
Ilustrador: Fernando Vilela
Editora: Landy
Tema: Contos populares
Faixa etária: 07-11 

Leia também: Sherazade me inspira sempre, afinal estamos falando da maior contadora de histórias de todos os tempos! Já comentei aqui a minha paixão por Simbad e é claro que hoje vai ter mais histórias das Mil e Uma Noites. Simbad na Terra dos Gigantes (Editora Projeto) é a segunda parte da trilogia desenvolvida com primor pela artista tcheca Ludmila Zeman. Para colecionar.

Litografia de Marc Chagall para As Mil e Uma Noites, 1948.
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