Livro do dia: Haroun e o Mar de Histórias

Livro do dia: Haroun e o Mar de Histórias

Posted by Kátia

Haroun Khalifa acredita que o pai seja um mágico, porque ele é capaz de subir num palco qualquer, independente de tamanho, abrir a boca, começar a contar uma história e fazer o mundo literalmente parar. Apesar de morar numa “cidade tão arrasadoramente triste que tinha esquecido até o seu próprio nome”, o garoto vive feliz ao lado do pai, Rashid, o Mar de Ideias, e da mãe, Soraya, cujas belas canções ressoam docemente pelo ar. Mas então, algo impensável acontece: Soraya abandona o lar e a família.

É assim que se inicia o nosso livro do dia, comemorando o Dia Internacional do Contador de Histórias. Haroun acompanhava o pai em suas contações sempre que possível, e a verdade é que ele conseguia capturar até a atenção dos animais. Rashid era realmente um mágico, um malabarista, pois cada história emendava numa outra, com tramas rocambolescas e personagens singulares: bruxas, princesas, tios malvados, gangsters de bigodinho, covardes e heróis. Mas de onde vinham tantas histórias? Sempre que questionava o pai a respeito, ele desconversava e dava uma explicação estapafúrdia. Dizia que as suas inspirações vinham do grande Mar de Histórias, que bebia a Água das Histórias e ficava inundado de ideias. A Água saía de uma Torneira Invisível, instalada por um Gênio da Água, mas a pessoa tinha que ser assinante para recebê-la. Haroun ficava irritadíssimo com esse papo.

Entretanto, Rashid mergulhara profundamente no mundo das histórias e esquecera de dar atenção à esposa, que para de cantar e parte para uma nova vida sem tanto faz-de-conta. Ela queria a realidade. Junto com a esposa, Rashid perde o seu dom. A época das eleições estava chegando e Rashid era super requisitado, porque sua língua mágica encantava a todos. Mas, ao subir num palanque na Cidade de G para uma nova sessão de histórias, Rashid emudece. Ameaçado pelos contratantes, ele promete um verdadeiro show no Vale de K. Rashid e Haroun são despachados da cidade, e na viagem de ônibus o menino faz amizade com o divertidíssimo motorista MasMas. Ao chegarem ao Vale de K, são recebidos por um sujeito “tão insincero que dava até enjôo”, a quem Haroun chama de Brilhantina. Logo Haroun sente o ar pesado do local, uma Névoa Malévola, que, tal como a Terra Temperamental dos contos do pai, mudava a todo momento, conforme o espírito dos habitantes. Algo fedia no Vale de K e não era exatamente o Lago Sem Graça.

Pai e filho são instalados numa suntuosa casa flutuante chamada As Mil e Duas Noites (porque segundo o orgulhoso Brilhantina, nem nas Mil e Uma Noites existia um lugar como aquele). A opulência e o desconforto das acomodações tiram o sono de Haroun, que troca de quarto com o pai e logo percebe certa movimentação vinda de seu banheiro. E eis que surge o Gênio da Água (sim, ele existe!), que estava ali com o seu Desconector porque Rashid cancelara sua assinatura da Água das Histórias. Inconformado, o menino se apodera do Desconector e exige falar com o responsável pelo fornecimento da Água: aquele era um grande equívoco. Assim Rashid parte para a sua grande aventura “porque o mundo real era cheio de mágica, de modo que os mundos mágicos podiam muito bem ser reais”. Uma obra fenomenal de um grande gênio da literatura, acostumado a versar sobre a falta de fé e imaginação dos adultos, e a corrupção da alma humana, colocando a salvação do mundo – ao menos a de seu mundinho particular - nas mãos de uma criança. Soberbo.

Haroun e o Mar de Histórias
Autor: Salman Rushdie
Editora: Companhia das Letras
Temas: Fantasia; Aventura; Família; Perda
Faixa etária: A partir de 10 anos

Assista também: Exibida na tevê britânica no final dos anos 80, a mágica série O Contador de Histórias (The Storyteller, 1988) apresentava um velho contador que, ao lado do cão Semper, narrava incríveis aventuras de bruxas e fadas inspiradas em antigas lendas europeias. Criada por um dos maiores corações do planeta, o mestre das marionetes Jim Henson, a série contava ainda com a voz de seu filho Brian, que dublava o adorável cachorrão. É difícil de encontrar, mas garanto que a dedicação vale a pena. Uma das coisas mais lindas que já vi na vida...

Contos da Selva, por James Jebusa Shannon, 1895
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